sexta-feira, 26 de junho de 2009

Alma não tem cor

Embora conhecesse muito pouco (apenas os hits), a música de Michael Jackson não me apetecia. Sempre o achei como um James Brown genérico. E como defensor da originalidade, preferia o próprio. Todavia me ocorreu uma certa tristeza ao saber da morte do artista. Tal tristeza não advém do nosso espírito solidário de promover a semideuses os mortos. Esse penar é motivado por um sentimento bem pior, a pena. Eu sempre tive pena do Michael Jackson. Não conseguia desvencilhar o artista Michael Jackson do homem Michael Joseph Jackson. Muito além de suas danças singulares e da mistura rock e black music, ele foi para o meu ideário o exemplo prático e literal da Teoria do Embranquecimento. Me recordo agora o pensamento de um historiador (que não me lembro o nome)que diz que o maior problema da escravidão não foi a tortura, a submissão ou o tempo de dependência. Mas sim fazer com que o negro realmente se considerasse um ser inferior. Essa seria a mais trágica das marcas dos séculos de escravidão, já que perduraria por bem mais tempo que a escravidão em sí. Michael Jackson refletia essa teoria na contemporaneidade. Mesmo já sendo um popstar se negava a ser negro. Suas inúmeras cirurgias para adquirir feições brancas camuflaram sua arte. Sua negação a própria cor fez com que as pessoas o vissem mais como um mutante à um artista. Nos últimos anos, era muito mais fácil ver notícias dos transtornos cirúrgicos de Michael Jackson que suas produções artísticas. E no futuro, não saberemos como ele será lembrado. Como o talentoso artista ou como o homem de duas cores. Seja como for, o fato é que pelo menos agora Michael Jackson deve ter se aliviado, pois se livrou da opressao de um mundo bicolor, uma vez que a alma não tem cor.

De Joaquim Nabuco (adaptado por Caetano Veloso) sobre o Brasil mas que serviria cabalmente para qualquer país que teve a escravidão racial ao longo de sua história.

A escravidão permanecerá
por muito tempo como a característica
nacional do Brasil.
Ela espalhou
nossas vastas solidões
uma grande suavidade;
seu contato foi a primeira forma que recebeu a
natureza virgem do país,
e foi a que ele guardou;
ela povoou-o como se fosse uma religião
natural e viva,
com os seus mitos, suas legendas, seus
encantamentos;
insuflou-lhe sua alma infantil,
suas tristezas sem pesar,
suas lágrimas sem amargor,
seu silêncio sem concentração,
suas alegrias sem causa,
sua felicidade sem dia seguinte...
É ela o suspiro indefinível
que exalam ao luar
as nossas noites do norte.

domingo, 14 de junho de 2009

Do supérfluo ao essêncial e vice e versa

Aos seguidores assíduos desse blog, justifico minha ausência por um eventual problema em meu computador. Passei alguns dias sem internet e consequentemente não pude postar. Entretanto, foi exatamente esse hiato digital que me motivou a escrever sobre esse tema. Todos os dias eu sentava defronte ao computador e o ligava. E não era por um desejo milagroso de que ele consertasse sozinho ao alvorecer. Era por puro esquecimento de que ele estava quebrado. Em outras palavras, pela força do hábito. Não sofri de crises de abstinência, mas confesso que me fez bastante falta. Muitas das vezes a força do hábito transforma em essêncial algo que um dia já foi secundário. Se pararamos para refletir, em uma passado não tão remoto nossos ascendentes viveram de forma confortável sem a metade dos bens que nos confortam hoje (me refiro a um passado recente porque não pretendo voltar as gerações anteriores a Revolução Industrial). O que seria das TV's sem o bendito controle remoto? É mais fácil a gente pensar em TV's com apenas um canal que pensar nelas sem o controle remoto. Talvez pior que pensar em televisores sem controle remoto é imaginar um mundo sem aparelhos celulares. Algo que há pouco tempo era privilégio de poucos já se transformou na terceira orelha do corpo humano. Ainda possuo em casa vitrolas e discos de vinil, máquina de datilografar e vídeo-cassete (esse é tão antigo que o controle remoto possui fio). Viraram obsoletos objetos de decoração. A internet em uma tacada só transforma várias coisas ex-essênciais em secundárias. Analisando o lado da comodidade essa priorização de antigos bens secundários deve ser louvada. Porém, levando-se em conta o aumento da disparidade social, a dependência tecnológica, a degradação ambiental e o surto de doenças radioativas essa comodidade pode ter um preço bem maior que o dos próprios bens de consumo. De fato, é inevitável conter essa corrida pela comodidade. E a tendência é que a cada dia mais o supérfluo vire essêncial e vice e versa. Sendo assim, nesse mundo volátil, creio que devemos a cada dia mais dar crédito as coisas que conseguiram sobreviver a essa versatilidade e nunca deixaram de ser essências, como nos casos do beijo sincero, do abraço carinhoso e do sorriso espontâneo.